terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Croniquinha 5: A Difícil e Ingrata Tarefa de Julgar

A vida nos ensina lições ao vivo e a cores o tempo todo. Algumas lições são passadas constantemente, outras, de tempos em tempos. Afinal, as gerações mudam e a memória se perde no passado, levada por quem vivenciou o fato e o assimilou. Sim, transmitiu, mas essa forma de aprendizado não se tem mostrado eficaz.

Então, como um ciclo, o fato se repete em outro palco e com outros atores. Na noite da última quinta-feira, assistindo ao "The Voice Brasil", tivemos a oportunidade de nos deparar com mais uma dessas lições. Era a fase de quartas de final. Todos os concorrentes indiscutivelmente talentosos e qualificados para receber o prêmio. Depois da apresentação de três integrantes de cada time, vem a escolha do público de um semifinalista. Em seguida, a hora de o jurado decidir entre os dois remanescentes qual permanecerá na disputa. O fato: o julgamento do mestre Lulu Santos. Um veterano cantor e compositor, célebre pela maturidade musical e competência multifacetada. O público fez a parte dele ao escolher o jovem Pedro Lima, alcunhado "bigode grosso". Um amador com talento inato.

Agora, Lulu tem diante de si outro Lima - Dom Paulinho - com uma apresentação cheia de “swing”, que levantara o auditório; e Luana Camarah, com sua veia "heavy", de um "rock" com batida mais forte, menos pop. Lulu, que desde o princípio declarou-se um estrategista, encontrava-se sob um forte dilema: quem iria para o embate com o “bigode grosso”? Num momento de fragilidade, na busca insana de apoio popular, Lulu, como um imperador na arena, pergunta a opinião da platéia. A situação se agrava a partir daí. O nome de Dom Paulinho Lima ecoa no estúdio.

Totalmente desconfortável, processando aceleradamente o que dizer naquele momento, Lulu declara que Dom Paulinho havia errado a letra, quando o concurso qualifica a voz. Argumenta que Dom Paulinho é um artista consolidado e escolhe Luana. Segue um coro de vaias, situação desfavorável, mas com a qual o veterano cantor certamente saberia conviver.

Julgar, tarefa árdua. A pessoa neste papel precisa ter suas convicções. O público julgou em favor da simpatia do menino humilde de talento gigante, a platéia julgou pelo conjunto da obra de Dom Paulinho, Lulu julgou pela estratégia que melhor favoreceria ao já há muito conhecido candidato seu, e à evidência ainda maior pela qual Dom Paulino ficaria exposto na mídia a partir dali. O que é justiça no ato de julgar? O tempo, o senhor quase absoluto do destino, poderá dizer. No entanto, ainda há um juiz a se destacar neste episódio. Um que se autoavaliara como finalista inquestionável: Dom Paulinho Lima.

Desde sua primeira apresentação, logo nos primeiros tons melódicos cantados, conquistou os quatro técnicos e um avassalador deslumbramento popular. Sua presença no palco indicava claramente que tinha domínio de sua arte, a convicção do seu talento. Seu olhar focalizado pelas câmeras enquanto Lulu construía sua retórica era o da vitória certa e esperada. Daí, vem a lição que os modestos conhecem bem: a de que não somos o centro do universo. Ao receber a notícia de que estava fora da competição, o olhar de Dom Paulinho expressa o seu julgamento condenatório. Seu ato subsequente foi se retirar daquele cenário patético, ato esse impedido por Tiago Leifert, por um impulso natural ou consciente, quem sabe. O fato é que aquele homem carregará por longo tempo consigo uma lição que talvez não tenha aprendido ainda: a de que julgar é e sempre será uma difícil e ingrata tarefa.

Carlos Bianchi de Oliveira
Rio de Janeiro,  16 de dezembro de 2013.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Renascer



Aquele pequeno gesto
Tão singelo e anônimo que vi
Me fez esquecer do resto
Que ainda se pode ouvir

Do mal que predomina
E a todos desatina
De modo crescente e gradual
Sem barreira, forte e letal.

Um gesto inocente e doce
Parece dizer mais do que disse
Como se possível fosse
Nascer com essa expertise.

Embora o mal se desenvolva
Parece que a virtude renasce
Como a luz centelha da alva
Que a cada dia floresce.

Um gesto, a mãozinha infante
A recolher a lágrima de uma
Desconhecida face indigente.

Carlos Bianchi de Oliveira
Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2013