quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Croniquinha 4: O Que Fica


"O tempo passa e nem tudo fica, a obra inteira de uma vida", assim diz o refrão de uma música da banda de rock Nenhum de Nós, dos anos 80. Poucas palavras, mas muito a dizer. Fico pensando o que foi produzido pelo homem durante toda a sua vida em relação ao seu ofício. Tudo resumido a uma mnemônica chave do passado. Só para falar de poesia, para exemplificar o que digo, muitos ainda se lembram dos versos "minha terra tem palmeiras/onde canta o sábia/as aves que aqui gorjeiam..." Canção do Exílio, Gonçalves Dias, século XIX. Canção de quê? Quem? Puxa, é tão antigo assim?

Toda uma vida, uma história, um acervo, e o que fica, afinal? Certamente, muito pouco. O poeta só não morre por completo por causa da qualidade da sua obra. Um ou outro referente, ainda assim, fragmentado. A obra sem nome, sem autor, sem identidade. Apenas palavras, melódicas sílabas poéticas recitadas, cantadas, sem qualquer reflexão de sentido.

Quanta dedicação! Tempo gasto para escolher a temática, a palavra certa, o verso, a rima, a métrica, a voz do Eu-lírico, para, afinal, nascer um poema que o tempo fossilizou, restando apenas ossos, fragmentos sem história ou identidade, à mercê da sorte e de alguém interessado em desvendá-lo pelo uso da fértil imaginação.

É certo que algumas têm uma resistência incomum, A Ilíada, A Odisséia, Eneida, O Inferno, Os Lusíadas. Talvez a condição venturosa dos épicos, que permeiam o imaginário coletivo e metafórico, seja uma razão plausível para isso. No entanto, essas obras tiveram suas irmãs, suas contemporâneas, que não lograram o mesmo destino. Qual a razão? O próprio tempo não nos dirá, pois ele nos distancia das respostas.  Nisso tudo, uma coisa é certa, são as gerações que se apropriam, esquecem ou mitificam os fatos. Assim nascem as histórias, assim nascem os mitos, e como tudo que é terreno, do pó vem e ao pó voltará.

Carlos Bianchi de Oliveira
Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2013.

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